Há uns bons anos, algo próximo de uma década, eu conversava com uma amiga pesquisadora e que já trabalhara ativamente em uma grande emissora de rede aberta do Brasil sobre o advento da TV digital. Ela me falava deslumbrada sobre a promessa de interatividade, um cenário futurista e pouco crível em que o conhecido formato midiático televisivo de distruibuição (one-to-all, em que um emissor fala para uma grande massa) seria substituído por uma realidade em que nós, meros espectadores, poderíamos interagir de fato com os apresentadores, escolher o rumo de nossas programações, entre outras alegorias que, à época, me pareceram uma conversa absurda e pouco executável. Mas, obviamente, sempre fui um tanto excessivamente realista – para não dizer um pouco pessimista. Era preciso dar ao futuro o benefício da dúvida.
Os anos se passaram, a TV digital chegou, e pelo menos pelas bandas de cá, isso significou apenas uma melhora substancial na imagem; a possibilidade de assistir a duas programações ao mesmo tempo; e apresentadores se virando nos trinta para acompanhar as mídias sociais enquanto dão conta de conduzir um programa. A propósito, se algo pode ser mencionado acerca de uma crescente na interação dos programas de TV, o mérito deve, seguramente, ser direcionado às mídias sociais. A promessa da interatividade mostrou-se falsa ou, no mínimo, um tanto anêmica. Na minha opinião, compramos gato por lebre.
Ao fim do ano passado, recebemos da magistral Netflix o filme “Black Mirror: Bandersnatch”. A divulgação era de um filme interativo, no qual o espectador poderia tomar as rédeas da narrativa e fazer escolhas que levariam a caminhos diferentes. Na prática, não é bem isso o que acontece. De fato, há a possibilidade de escolhas. E é bem verdade que a história versa por percursos e até chega a finais diferentes, a depender das decisões tomadas. Mas o que acontece, na verdade, é um aumento de opções para uma falsa opção de controle, com a permanência das limitações. A narrativa linear, com começo, meio e fim e sem interferências, agora ganha alguns caminhos a mais, com terminações que continuam seguindo um roteiro pré concebido. Nada mais que isso.
Assim como o personagem principal infere em um dos finais a que o filme chega, a tecnologia permite dar ao público uma falsa sensação de controle. Ela nos faz acreditar que temos qualquer poder, quando na verdade continuamos escolhendo dentre as opções que nos são oferecidas – e chegando apenas aos finais que foram projetados. Nada de novo no front, a não ser uma leve adaptação de formatos.
Os smartphones são outros dispositivos que nos venderam carregados com o valor da promessa da liberdade, do universo ilimitado. É bem verdade que ter “o mundo na palma da mão” aumenta nossas possibilidades, no entanto, se formos um pouco mais críticos com esse fantástico mundo, conseguimos perceber que, na prática, concentramos todas as nossas escolhas, rotinas, planos e atividades em um único aparelho, recheado de aplicativos com comandos controlados, mídias sociais programadas para limitar e viciar nossas ações (quem nunca se pegou tentando atualizar o feed do Instagram três segundos após já ter feito a mesma ação?) e leitores comportamentais que coletam e transformam em dados todos os nossos hábitos.
Assim, a mesma sociedade que há pouco tempo clamava pelo direito de ser mais que um número na carteira de identidade, escolhe se tornar métricas, KPI’s e dados da “aldeia global” para justificar o controle dos grandes – o que leva ao consumo – e assim seguimos na programação de sempre, na farsa da interatividade que nos mantém conscientemente presos a um universo projetado para nos saciar.
Não, a tecnologia não é de todo vilã – e que tipo de profissional do marketing seria eu se de fato acreditasse nessa máxima? É preciso, no entanto, nos policiarmos para fazer um uso dela cada vez mais qualitativo e menos quantitativo. Somos mais que cliques e likes. Personalizar ao máximo e impingir a sua própria experiência às redes, sempre tendo uma visão crítica dos cenários fáceis aos quais somos induzidos a participar, além de fugir das bolhas das mídias e traçar nosso próprio caminho de pesquisa em meio a mais de um bilhão de sites que existem online, é uma forma de se tornar, de fato, mais interativo e relevante – e menos reativo e previsível.
No entanto, é bom lembrar: nos códigos, há sempre limitações. Para fazer escolhas reais, a primeira delas deve ser optar um pouco pelo turn off.